Transtorno Bipolar – Pessoa de lua?

4/4 Transtorno Bipolar – Pessoa de lua?

01/11/2019

Este post é a última parte de um artigo de autoria do Psicólogo Domingos.
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Tratamento

Se eu tomar remédio vou ficar curado? Não, pois o transtorno bipolar não se circunscreve às características biológicas, mas tem igualmente características psicossociais, tanto na sua configuração, como no escopo do seu diagnóstico; assim como, o transtorno bipolar traz consequências não meramente biológicas, que poderiam ser atacadas pela via medicamentosa, mas traz igualmente impactos sociais, profissionais e familiares ao indivíduo. Nessa medida, as psicoterapias precisam ser consideradas e implicadas no tratamento do acometido por esse transtorno.

Vale apontar que nas últimas duas décadas os estudos clínicos com grupo de controle aumentou bastante, e esses estudos passaram a considerar fortemente três aspectos antes ignorados, quais sejam: a presença da sintomatologia residual fora de episódios de humor (no período de remissão), o enorme impacto na vida funcional dos indivíduos e o próprio custo social atribuível a doença. Por isso, a via medicamentosa tem sido empreendida no tratamento do transtorno bipolar, mas cada vez mais amparada pelas abordagens psicoterapêuticas, tal como afirmado por Bio e Gomes:

Estudos recentes têm demonstrado que quanto maior o número de episódios de humor pior a resposta destes pacientes ao tratamento medicamentoso. Desta forma, novos esforços foram empregados no sentido de aumentar o período de remissão da doença e de melhorar o manejo de sintomas e problemas relacionados a ela. Dentro deste contexto, o uso de abordagens estruturadas que se destinam especificamente ao tratamento do TB começaram a ser desenvolvidas. As diferentes abordagens psicoterápicas estruturadas têm procurado aumentar o tempo de remissão da doença, aumentar a adesão ao tratamento medicamentoso, lidar com fatores de estresse e melhorar as habilidades de comunicação e resolução de problemas destes pacientes. Na ampla maioria dos ensaios clínicos que avaliaram a eficácia destas abordagens, elas são inclusas em condição add-on, ou seja, como uma condição adicional ao tratamento farmacológico tradicionalmente oferecido a estes pacientes, embora existam algumas exceções. (BIO; GOMES, 2011, p.38).

Qual a abordagem psicoterápica tem maior efetividade? Sem adentrar em conflitos e celeumas, o que se pode afirmar é que a terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem tido resultados mais eficazes no tratamento do transtorno bipolar.

A TCC é uma terapia estruturada, e os objetivos da TCC no transtorno bipolar são: 1) educar pacientes e familiares sobre o transtorno bipolar, seu tratamento e suas dificuldades associadas à doença; 2) ensinar métodos para monitorar a ocorrência, a gravidade e o curso dos sintomas; 3) facilitar a aceitação e a cooperação no tratamento; 4) oferecer técnicas não-farmacológicas para lidar com sintomas e problemas; 5) ajudar o paciente a enfrentar fatores estressantes que estejam interferindo no tratamento; 6) estimular a aceitação da doença; 7) aumentar o efeito protetor da família e 8) diminuir o trauma e o estigma associado à doença.

Vários estudos evidenciam a eficácia da TCC no tratamento de pacientes com transtorno bipolar, incluindo os citados a seguir. O primeiro estudo controlado avaliando a TCC no transtorno bipolar foi realizado por Cochran (1984), no qual foram avaliados 28 pacientes bipolares, comparando TCC individual com o tratamento usual. Cochran utilizou uma abordagem que visava basicamente alterar cognições e comportamentos que interferissem na adesão medicamentosa. Verificou-se que os pacientes que receberam TCC apresentaram taxas mais altas de adesão e menores taxas de hospitalizações ao término do tratamento de seis semanas e após um seguimento de seis meses. Zaretsky et al. (1999) compararam o efeito de 20 sessões de TCC adaptada para depressão bipolar em 11 pacientes com depressão bipolar em uso de estabilizadores de humor com 11 controles com transtorno depressivo maior que recebiam TCC padrão. Houve diminuição significativa nos sintomas depressivos em ambos os grupos. Fava et al. (2001) avaliaram a TCC em 15 pacientes que recaíram apesar de estarem usando medicação. O tratamento consistiu de dez sessões de 30 minutos a cada semana, que focava no tratamento dos sintomas residuais e incluía psicoeducação, reestruturação cognitiva à terapia de exposição para os sintomas depressivos, ansiosos e para irritabilidade. Esse tratamento se mostrou eficaz no tratamento de sintomas residuais e aumentou o tempo de remissão da doença.

Lam et al. (2000) realizaram um dos primeiros estudos controlados avaliando a TCC em 25 pacientes com transtorno bipolar. Nesse estudo piloto verificou-se que a TCC apresentava, em comparação com o tratamento usual, uma diminuição significativa de episódios bipolares durante um período de 12 meses. Um recente ensaio clínico realizado por Lam et al. (2003) analisou 103 pacientes com transtorno bipolar tipo I que apresentavam recaídas freqüentes, apesar da farmacoterapia adequada randomizados para TCC ou para tratamento usual. O tratamento cognitivo-comportamental consistiu de 14 sessões nos primeiros seis meses e duas sessões adicionais nos seis meses seguintes. Em um período de seguimento de 12 meses, os pacientes que realizaram TCC apresentaram, significativamente, menos episódios de humor, menos dias em um episódio de humor bipolar, menos hospitalizações, menos sintomas subsíndrômicos, lidaram melhor com pródromos maníacos e apresentam melhor funcionamento social. No seguimento de dois anos do mesmo ensaio clínico (Lam et al., 2005) não foi encontrado efeito significativo na redução de recaídas, embora o grupo que recebeu terapia cognitiva apresentou, novamente, significativa redução em número de dias de episódios de humor bipolar, com melhora significativa nas escalas de humor, no funcionamento social, nas estratégias de enfrentamento dos pródromos de depressão e mania, e nas atitudes interpessoais disfuncionais.

Portanto, segundo a literatura científica, os estudos têm demonstrado a eficácia da TCC no tratamento do transtorno bipolar, tanto na configuração individual como grupal.

Na estruturação do modelo terapêutico da TCC não se pode ignorar o desejo humano por aceitação. Muitas vezes, em função de um transtorno mental, essa demanda pode não ser atendida. E é justamente o que muitas vezes acontece na vida dos que são acometidos pelo transtorno bipolar.

A aceitação social é um fator importante para o estabelecimento de relações e a falta dela pode agravar o sofrimento dos acometidos por transtornos mentais, assim como dos familiares, que também podem ser excluídos socialmente.

O próprio rótulo de portador de transtorno mental é um problema, pois produz indiferença social e familiar. Tal como o afirmado por Tung:

o diagnóstico médico de doença mental, emerge imediatamente uma série de preconceitos associados a essa condição: incurabilidade, desfiguramento da personalidade, incapacidade total e absoluta, isolamento forçado da sociedade, perda total da liberdade e de livre-arbítrio. (TUNG, 2007, p.9).

Há um outro aspecto a ser considerado, é o fato de que muitas vezes tanto o acometido pelo transtorno, como seus familiares pouco sabem a respeito do transtorno e de como lidar com ele. E “a verdade é que quanto mais cedo e mais profundamente o paciente e seus familiares entenderem o transtorno bipolar, maior é a chance de se conseguir controlar a doença e minimizar suas consequências” (TUNG, 2007, p.12).

Portanto, talvez a melhor forma do portador do transtorno bipolar ser entendido pelos outros seja se entendendo e buscando apoio nas relações afetivas, confiando no amor e no cuidado daqueles que se importam com ele, bem como buscando desenvolver estratégias para o autocuidado.

Quer conhecer minhas referências? Veja a bibliografia utilizada para este artigo clicando aqui!

Psicólogo Domingos

Atuo com um sistema de psicoterapia bastante eficaz e integrativa, que torna o proceso terapêutico mais enxuto e produtivo, adequando-se a cada paciente.

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Domingos Fernandes - Doctoralia.com.br